Ao longo de nossas viagens a Portugal, fomos aprendendo aos poucos o modo de pensar e agir dos portugueses.
Importante mencionar que aqui não vai nenhuma crítica ou qualquer outro sentimento negativo ou juízo de valor. Trata-se apenas de nossa percepção das diferenças entre o nosso modo de agir, pensar e falar e a de nossos “primos”.
Começo pelo idioma. Para nós, tudo é português. Para eles, falamos brasileiro.
A sutil diferença pode até ser explicada.
A impressão que tenho é que eles usam o idioma com maior precisão.
Em nossa primeira viagem a Portugal, por exemplo, alugamos um carro no aeroporto de Lisboa.
O carro era pequeno, o que fez João perguntar ao funcionário se o carro tinha mala, ao que o funcionário respondeu:
“Não senhor. Mala tem o senhor. O carro tem bagageiro!”
Os jogadores de futebol em Portugal, não suam a camisa pelo time. Suam a camisola!
As calcinhas femininas lá, são cuecas.
Se queremos pedir água gelada, temos que pedir água fresca.
Se queremos tomar um sorvete, temos que pedir um gelado.
Mas a diferença mais marcante, para mim, é a lógica.
Por exemplo, na estrada. Numa viagem de carro é muito frequente nos depararmos com rotundas, que no Brasil chamamos de rotatória. Pois bem, se estamos seguindo uma indicação na estrada para Sintra, é possível nos depararmos com algumas rotundas em que vemos assinalado várias saídas com todos os nomes, menos o de Sintra.
Penamos um bocado até entendermos que, se você está na estrada para Sintra, não há necessidade de assinalar a saída de Sintra. Basta continuar em linha reta, ou seja, atravessar a rotunda saindo na saída que corresponde à linha reta, como se a rotunda não existisse. Manter-se na estrada.
A lógica portuguesa é cartesiana.
Uma vez estávamos em Gaia. Nossa primeira vez lá, quando ainda não conhecíamos nada.
Do Cais de Gaia avistamos a ponte Luis I e vi que por ela passavam carros, mas ao longe, só conseguia distinguir carros passando no sentido Porto-Gaia.
Perguntei ao policial que estava por perto se podíamos ir por baixo da ponte até o Porto. Aqui tenho que explicar que a Ponte Luis I tem dois andares!
O policial me respondeu seriamente:
“Por favor, vá pela ponte, e não por baixo dela”.
Em outra oportunidade um amigo nosso, o Fernando, viajava de carro com sua família e parou para pedir informação a um senhor para perguntar como ele ia para o Santuário de Fátima.
O senhor olhou atônito para nosso amigo, não acreditando em pergunta tão incompreensível e respondeu:
“De carro!”
Esse mesmo Fernando entrou num bar e perguntou se eles tinham rissol, ao que a atendente respondeu:
“Temos.”
Não se incomodou em servir o rissol. A pergunta feita foi se havia. A resposta apropriada era sim ou não. Vender e comprar necessitava de outro tipo de conversa.
Ou seja, os portugueses são literais. Nós não. Nós temos o costume de intuir uma pergunta posterior que já consideramos incluída no sentido.
Já no Porto, com o amigo Renato, pedimos uns rissóis, num fim de tarde na Ribeira e queríamos saber se eram feitos na hora, pois é comum os salgados virem frios. O atendente respondeu:
“Não, não são feitos na hora. Foram feitos pela manhã e agora é só fritar.”
Ou seja, a tal da literalidade.
São lógicas diferentes.
Pedir uma informação também é muito diferente.
Uma vez perguntamos a uma senhora como devíamos fazer para chegar a um determinado lugar. Ela respondeu com todo gosto:
“Vais direto até encontrar um posto de gasolina. Não é lá. Segue até chegar a uma rotunda. Não é lá, depois saia na primeira saída até uma pequena Igreja. Não é lá. Siga direto até chegar a um largo e lá vocês irão ver as indicações.”
E não foi só com ela. Mais de uma vez, até mesmo com nosso cunhado, recebemos indicações que destacam pontos específicos no caminho, que “não são lá”, mas que te orientam para saber que o caminho está correto.
Numa outra ocasião João foi a um bar com um amigo brasileiro que residia em Cascais. Lá o amigo pediu uma imperial, nosso chope, enquanto João disse que “gostaria de uma água”. O garçon voltou com o chope e sem água.
O amigo bebeu o chope todo e nada de água, até que pediu o segundo, que também veio.
Então João perguntou: e a minha água? Ao que o garçon respondeu:
“o senhor disse que gostaria, estou aguardando o senhor decidir se quer.”
Os portugueses usam de fato todos os tempos verbais e os sujeitos com a propriedade que a erudição exige. Nós não.
No Porto aprendi outras expressões interessantes.
Quando tratamos com pessoas desconhecidas, por exemplo, quando estamos fazendo uma compra em alguma loja, é comum o vendedor terminar o negócio com um gentil “à continuação”.
Essa expressão me intrigava até aprender que “à continuação” é uma forma gentil de desejar à pessoa a continuação de um bom dia.
Ao telefone também nos expressamos de forma diferente.
O nosso alô, para eles é tô. E se a pessoa não responde imediatamente ao “tô”, ouve-se em seguida um “tô tô”, para encorajar a pessoa a iniciar a conversação.
Esses são pequenos exemplos das diferenças linguísticas que levam a diferentes modos de pensar e agir.
Pessoalmente adoro cada detalhe desses. Adoro ir conhecendo aos poucos aquilo que nos diferencia e o que nos aproxima dos portugueses.
Saudações, prezada Violeta.
Sou eu, teu colega do Departamento de História da PUC-Rio, Lucas.
Achei este blog muito informativo, bem feito e muito bem organizado. A atenção à estética e a uma visualização leve, equilibrada e dinâmica são particularmente dignos de nota. Pode repousar na certeza de que já o compartilhei entre amigos e parentes.
Com um tema como este, não haverá escassez de material novo a ser publicado.
Continue, por favor, com este belo trabalho.
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Que bom ter você como leitor, Lucas! Bem vindo!
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