Vila Nova de Gaia
Decidi fazer um passeio turístico típico. Fui visitar uma cave de vinho do Porto em Gaia.
Escolhi a Cave Ferreira. Não foi uma escolha aleatória. Há muito me interessava pela história de Dona Antonia Adelaide Ferreira, a Ferreirinha, uma mulher que ao ficar viúva aos 33 anos assumiu a direção dos negócios da família, que consistiam em cinco quintas no Douro.
A Casa Ferreira foi fundada em 1751, e Dona Antonia era da quarta geração da família. Ao morrer, com 85 anos, D. Antonia possuía 24 quintas, dentre elas a quinta onde são plantadas as vinhas para o emblemático vinho português, o Barca Velha.
Mas minha visita era para conhecer o vinho do Porto da Casa Ferreira. Vamos a isto!
A produção do vinho do Porto foi regulamentada desde 1756, pelo Marquês de Pombal.
A região do Douro, onde são cultivadas as vinhas é uma região de microclima, que possui um inverno muito rigoroso e um verão muito quente e seco. Diz-se por lá que existem apenas duas estações, “o inverno e o inferno”.
A região é próxima a serras, o que propicia uma proteção natural contra os ventos do Atlântico, além de seus vales serem formados por solo de xisto, pedra que retém calor e umidade.
O vinho do Porto, como cheguei a mencionar numa das primeiras postagens, é feito no Douro, e na primavera, desce para Gaia para envelhecer. Pura poesia.
As caves Ferreira se encontram numa construção muito antiga, local onde antes se localizava um convento. O prédio, por si só, já é belo.
Marquei minha visita por telefone e às 11 horas, eu e um pequeno grupo tivemos o privilégio de sermos guiados pela jovem Sabrina Carvalho, que pacientemente respondia a todas as nossas perguntas.
Pois então, Sabrina nos explicou que a fermentação do vinho maduro, aqueles de mesa ou especiais, leva uma semana, enquanto o vinho do Porto, apenas dois dias, quando então é interrompida pela introdução de aguardente vínica, que pode ter sido feita no Douro ou não.
Existem três qualidades desse vinho, o Branco, que é bebido como aperitivo, e os tintos, Ruby e Tawny, os dois digestivos.
Os Rubys são envelhecidos em balseiros grandes, barricas de carvalho gigantes, para que assim menos vinho tenha contato com a madeira e com o ar, o que faz com que o envelhecimento seja mais lento, proporcionando vinhos jovens, intensos, encorpados e com aromas de frutos vermelhos, enquanto os Tawnys, em barricas pequenas, o que implica em maior contato com o carvalho, e portanto com mais ar, pois a madeira tem poros, causando um envelhecimento mais rápido e um vinho com aromas de frutos secos, especiarias e amadeirados.
Quanto às barricas em si, nunca são novas. São adquiridas das adegas que já produziram algumas safras de vinho de mesa. E ao final, também não são descartadas de forma improdutiva. São vendidas para destilarias de whisky em outros países.
O vinho do Porto é bebido em temperatura ambiente, mas o ambiente de Gaia, não do verão carioca.
Durante o envelhecimento do vinho nos tonéis, perde-se 1% da quantidade do vinho armazenado, por ano, devido a evaporação.
O chão da Cave Ferreira é todo de tacos de madeira. Em épocas mais secas, o chão é regado e a madeira faz sua parte, retendo umidade e ajudando na aclimatação do ambiente.

Além dos três tipos do vinho, temos ainda as categorias. O vinho pode ser “clássico”, o que significa que envelheceu por volta de três anos, “reserva”, de envelhecimento de 7 anos, e “especial”, de envelhecimento de 10 ou 20 anos, ou datados.
Os datados são os “vintage”, que levam na garrafa a indicação do ano de sua produção, por serem vinhos excepcionais.
Depois de engarrafados os vinhos não envelhecem mais, portanto, guardar um vinho do porto por dez anos em casa, não significa que você estará bebendo um vinho envelhecido por dez anos.
E mais, depois de aberto uma garrafa de vinho clássico ou reserva, do tipo Tawny, deve-se consumi-la integralmente em até seis ou sete meses. Já os Rubys, entre dois a três meses.
Tenho para mim que vem daí o motivo de algumas pessoas no Brasil não apreciarem o vinho do Porto, pois é comum, pelo menos em minha família e na do João, guardar-se por muito tempo das garrafas abertas, no calor de nosso “patropi”, e irmos bebendo aos poucos, às vezes ao longo de mais de um ano. Ou seja, estávamos a beber vinho estragado, certamente não por culpa do vinho, mas por culpa de nossa ignorância.
Pois foi vindo a Gaia e conhecendo melhor a cultura desse vinho, que me rendi a seus encantos.
Meu preferido é o Tawny.
Os Rubys ainda tem uma especialidade, os LBV e os vintage.
Os LBV – Late Bottlled Vintage – são vinhos excepcionais que passam de 4 a 6 anos em balseiros, sendo este tempo estipulado por lei. Esses, quando abertos, devem ser consumidos em 1 ou 2 semanas no máximo, para que se aproveite todo seu esplendor.
Mas há também os vintages, que passaram 2 anos em balseiro. Suas garrafas devem ser conservadas deitadas, pois são vinhos com muitos sedimentos e que envelhecem em garrafa por 10 ou 15 anos. Devem ser decantados.
Quem aprova o selo de qualidade vintage é o Instituto do Vinho do Porto.
A Adega declara sua pretensão à classificação e o vinho é avaliado por um corpo de juízes que então aceitarão ou não a pretensão.
Para esse vinho vintage, recomenda-se o consumo em até 48 horas após aberta a garrafa.
O mais recente vintage da Ferreira é o de 2015.
Há ocasiões em que se declara o “ano” vintage, quando a maioria das caves declaram essa qualidade junto ao IVP. 2011 foi um ano vintage para o Douro e todo Portugal. Se encontrarem garrafas à venda desse ano, seja de Porto ou não, há uma imensa probabilidade de ser coisa muito boa, desde que tenha sido corretamente estocado, claro.
O vintage mais antigo que existe na Cave Ferreira é de, pasmem, 1815! Existem ainda entre 15 a 20 garrafas desse que recebeu a alcunha de Porto Waterloo, por ter sido produzido no mesmo ano da famosa batalha contra Napoleão Bonaparte.
Uma única garrafa foi excepcionalmente vendida para a celebração dos 200 anos da batalha.
Para os bolsos mais abastados, ainda é possível comprar garrafas do ano de 1830!
A visita continua por um pequeno museu onde conhecemos os artefatos para a produção e colheita das uvas e uma pequena réplica do barco rabelo, que antigamente era o meio de transporte das barricas do alto Douro para Gaia.
Dia 24 de junho há uma regata no Douro com os antigos barcos, como parte da celebração do dia de São João.
Por fim, Sabrina nos explicou que as caves estão todas em Gaia, mas que a exportação e o Instituo estão no Porto e aí justifica-se o título de vinho do Porto, embora as gerações mais velhas não nutrem simpatia pelo nome, chamando o famoso vinho produzido no Alto Douro vinhateiro e envelhecido em Vila Nova de Gaia, como “vinho fino”.
Saúde!
Belíssimo seu blog e muito esclarecedor o post sobre vinho. Deu vontade de até apreciar um. Beijos e sucesso!
CurtirCurtir
Obrigada por seus gentis comentários, Andréa!
CurtirCurtir