Hoje vou contar uma história antiga, mas que para sempre ficou na memória.
Quando era pequena, minha mãe, Patrícia, me contava histórias na hora de dormir e uma delas era a de um arqueólogo que foi escavar levando sua filha e de repente a menina deu um grito. O pai correu para ver o que havia acontecido e então se deparou com as pinturas rupestres mais impressionantes. Não sei se foi exatamente assim que ocorreu, nem onde, mas foi assim que as histórias de minha mãe ficaram para sempre comigo e em meu imaginário.
Resultado, desde pequena me interessava por arqueologia.
Então quando começamos a viajar para Portugal, lá pelos idos de 2004, me encantava a possibilidade de ver de perto monumentos megalíticos. Em Portugal existem vários dólmens, que eles chamam de anta.
No nosso mapa, que era de papel mesmo, pois naquela época não existia GPS, ou pelo menos nós não tínhamos acesso, estavam assinalados os locais onde existiam os tais monumentos.
Como era de nosso feitio sair de carro sem destino fechado, eu ia tentando localizar os locais assinalados.
Pois bem, estávamos perto de Nisa e havia a indicação da existência de uma anta por aquelas redondezas.
João, com toda sua dedicação pelo gosto da companheira aventureira, no caso eu, se embrenhou pelas estradinhas que indicavam o rumo até a anta.
No caminho havia um pequeno riacho cruzando a estrada. João saiu do carro, testou com os pés a firmeza e profundidade do riacho, e supôs que era seguro atravessar de carro, único meio para chegarmos até a anta, nosso objetivo. Assim fizemos e chegamos até o lugar.
Fiquei absolutamente estupefata! Era um monumento megalítico muito grande, aos moldes da casa do desenho animado dos Flintstones – pedras eretas cobertas por outra enorme pedra como um telhado. São monumentos funerários e datam de mais de 8.000 anos!
Tivemos que nos embrenhar um bocado por estradinhas que pareciam levar nada a lugar nenhum, mas a expedição foi um sucesso e fiquei imensamente feliz de ter conseguido.
Na volta, pelo mesmo caminho, nos deparamos mais uma vez com o riacho, mas dessa vez pudemos ler uma placa que estava voltada apenas para aquele sentido da estrada. Não havíamos reparado na placa na ida. Fato é que a placa dizia: se o rio avançar sobre a estrada, não cruze. Perigo! Tarde demais. Já havíamos cruzado uma vez, desavisadamente.
Devido ao meu interesse, tinha muita vontade de conhecer uma caverna e ver as pinturas rupestres. Sabia que em Portugal havia uma gruta também. A gruta de Escoural, no Alentejo.
Liguei para o telefone de Escoural para indagar sobre a possibilidade de visitação e soube então que havia uma fila de espera de cinco anos! Naquela época não imaginava que voltaria tantas vezes a Portugal e não achei viável incluir meu nome na lista. Fiquei sem Escoural.
Sei que hoje em dia as visitas podem ser marcadas com 24 horas de antecedência, mas recomenda-se ligar com uma semana de antecedência. São organizadas duas visitas por dia para grupos de no máximo dez pessoas por vez. A grande maioria de visitantes é de portugueses e o dia mais procurado é o sábado.
No ano seguinte, meu cunhado Jorge, sabendo de meu interesse por história, nos contou sobre o sítio arqueológico de Foz Côa.
O que se passou foi que em 1995 a EDP, empresa de eletricidade em Portugal, planejava a construção de uma usina no Côa, que implicaria em alagamento de uma grande área. Ocorre que descobriu-se, embora já se sabia da existência de figuras rupestres no local, uma enorme área de 17 km de extensão com vestígios e desenhos nas pedras xistosas datados de 20.000 anos.
Resultado, o projeto da usina foi engavetado e foi então criado o Parque Arqueológico do Côa, maior sítio arqueológico pré-histórico a céu aberto conhecido. Hoje, patrimônio da humanidade.
Rumamos então a partir de Viseu, onde ninguém sabia nos informar sobre o sítio arqueológico do Côa, em direção a Vila Nova de Foz Côa, seguros de que era só chegar e entrar.
A estrada, como tantas outras, era muito estreita. Fazia muito frio e o painel do carro avisava: estrada com gelo! Só muito amor mesmo para o João prosseguir no caminho. Não havia nada, nem à direita, nem à esquerda. A impressão era de que à direita já era Espanha.
Me lembro apenas de passarmos por Castelo Rodrigo, quando então avistamos a torre do castelo da estrada, mas sem pararmos.
Como as crianças eram pequenas, nossa brincadeira no carro era ver quem avistava um castelo primeiro. Ganhava quem avistasse mais castelos.
Ao chegarmos em Vila Nova de Foz Côa, nos deparamos com a neblina mais densa que já vi. Paramos num posto de gasolina e pedimos informação ao funcionário que surgiu do meio da neblina. Ele confirmou que estávamos no lugar certo e que era só seguir adiante neblina a dentro.
Nos enchemos de coragem e prosseguimos até localizarmos a sede, ou escritório do centro de visitação. Parecia tudo vazio, mas entrei.
Lá dentro havia uma senhora. Devo dizer que foi a primeira pessoa antipática que conhecia em todo Portugal.
Eu disse que estava ali para fazer a visita ao sítio arqueológico.
Ela então me perguntou se eu tinha feito reserva. Disse que não, que não sabia da necessidade de reserva. Então ela me disse que não seria possível realizar a visita pois eram apenas 8 pessoas por vez.
Não acreditei no que ouvia.
Perguntei a ela se poderia esperar para ver se as oito pessoas apareceriam, pois tinha para mim que seria impossível outro ser humano chegar naquele lugar com aquela neblina. Perguntei se não havia lista de espera para caso de desistências, disse que tinha cruzado o Atlântico desde o Brasil e viajado de carro até aquele lugar e que não acreditava que voltaria sem conseguir ver o parque.
Ela então, muito antipática, disse que eu poderia colocar o nome na lista de espera de Castelo Melhor com o colega dela.
Sem entender, perguntei se então eu deveria ir a Castelo Melhor, colocar meu nome na lista e voltar. Ela, quase brigando comigo por conta de minha ignorância, disse que não, que a visita, se eu conseguisse, seria no sítio de Castelo Melhor.
Foi então que eu comecei a entender que existem vários sítios e a entrada para eles é por lugares diferentes. Naquela época não havia muita explicação.
João e as crianças já estavam um pouco impacientes e apreensivos com o passeio. Voltei para o carro e disse: tudo resolvido, é só seguirmos para Castelo Melhor. Mais 14 km neblina a dentro!
Fui rezando no caminho para tudo dar certo e pedindo para não ser defenestrada no meio da neblina em protesto!
Chegamos a Castelo Melhor, uma vila com poucas casas, todas de pedra, e fomos para o centro de visitação. Lá chegando me dirigi ao colega da “moça simpática” de Vila Nova de Foz Côa e fui explicando que estava ali sem reserva, que não sabia que tinha que fazer reserva, que eu vinha do Brasil, e blá blá blá, enquanto meus olhos já iam se enchendo de água.
O senhor só fazia sorrir, enquanto minha filha me olhava assustada com a figura da própria mãe.
O senhor então disse: Te acalme minha senhora! Temos lugar para todos! Um grupo acabou de desistir!
Comecei a dançar e a saltitar de alegria, deixando minha filha ainda mais perplexa. Tudo resolvido, não seria defenestrada na neblina!
Fomos então procurar almoço antes da hora da visita, que estava marcada para 16:00h. Não precisamos procurar muito, pois só havia um restaurante em Castelo Melhor
O Paleolítico!
Entramos numa sala onde ao redor de uma lareira se agrupavam umas quatro pessoas. Em cima da lareira tinha uma televisão que passava uma novela brasileira.
Todos se voltaram para nos olhar e então aos poucos foram deixando a lareira e a novela para irem para seus postos de trabalho.
Na mesa tinha um cardápio cheio de sugestões e ficamos algum tempo avaliando o que pedir até que o senhorzinho veio e nos falou: Hoje temos peixe. Cada um paga 10 euros e pode comer quanto quiser e uma bebida está incluída. Fácil de decidir.
A comida era ótima, o azeite, feito lá mesmo, uma maravilha, assim como o vinho. Levamos conosco um galão do azeite e algumas garrafas do vinho.
Terminado o almoço seguimos para nossa visitação. Acho que tudo que eu falar não descreverá com exatidão a maravilha que foi o passeio.
Seguimos num Land Rover dirigido por uma jovem arqueóloga que ia nos explicando tudo e em português!
Conosco havia um casal de ingleses que cortavam um dobrado para entender as explicações, pois não falavam a língua de Camões. Mais uma vantagem para nós ao visitarmos Portugal – o idioma.
Conhecemos o sítio arqueológico próximo a Castelo Melhor. Vimos reminiscências de fogueiras de mais de 10.000 anos e desenhos feitos na pedra. Foi uma aula viva! À época, pagamos 8 euros por pessoa. Oito euros por uma aula particular com uma arqueóloga! Uma oportunidade única!
Hoje em dia já existe um museu do Côa, que ainda não visitei, mas está na minha lista
Também descobri no verão passado que a partir do Porto podemos pegar o trem que sai da Estação de São Bento e leva umas quatro horas até chegar a Pocinho, de onde se pega o carro, ainda um Land Rover, para fazer a visitação. Mas atenção! Esta visita também tem que ser agendada. A agência que vi em Pocinho se chama Dourototal, mas não cheguei a fazer o passeio com eles ainda.
Centro Interpretativo da Gruta do Escoural
tel. +351 266 857 000
Z
Adorei!
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