Soajo
Nesse passeio partimos em direção ao Parque Nacional Peneda Gerês, o único parque nacional de Portugal que engloba as serras de Peneda e do Gerês, daí o nome do parque.
Nossa primeira parada foi Soajo, uma pequena e muito antiga vila do norte, entre o Rio Lima e o Minho.
Para chegar ao Soajo, passamos por uma das entradas do Parque. O caminho é bem sinalizado e informa a existência de monumentos megalíticos.
Lá chegando, fomos diretamente ver os espigueiros da vila, que são construções centenárias de pedra, cuja função é a guarda das espigas do milho cultivado na região, e que foram construídos sobre uma eira de granito comunitária que até hoje é utilizada para debulhar as espigas. As cruzes acima dos espigueiros tinham a função de abençoar e proteger a colheita.
Enquanto estávamos junto aos espigueiros, vimos muito pouca gente da vila. Na verdade, parecia que éramos só nós no lugar.
Mas depois de visitar os espigueiros, pegamos o carro e demos a volta para entrar no centro da vila, no Largo do Eiró. Foi então que começamos a ver a gente e a vida do lugar.
Chegamos ao centro da vila onde se encontra um pelourinho muito peculiar, pois na pedra há esculpida uma carranca e no topo está assentado um triângulo de pedra.
Segundo a lenda local, o triângulo de pedra representa um pão na ponta de uma lança, pois depois de ouvir reclamações da população da vila quanto ao comportamento de uns fidalgos que ali passaram e se demoraram mais do que o razoável, acabando com os mantimentos da vila e desrespeitando as mulheres, o rei Dom Dinis mandou que os tais fidalgos não demorassem mais na vila além do tempo que um pão levava para esfriar estando fincado na ponta de uma lança.
E assim foi feito. Um pão quente foi espetado na ponta da lança, e quando o pão esfriou os fidalgos foram expulsos por ordem do rei. O pelourinho seria a gravação em pedra da história passada.
Existem outras versões, como o triângulo ser o instrumento de assentar o milho, representando a justiça que alinha todos da mesma forma, mas gosto mais da lenda da justiça do pão quente do Soajo.
Soajo recebeu um foral do Rei Dom Manuel I em 1514. Dom Manuel reviu e organizou os forais do reino e portanto o de Soajo pode ser ainda mais antigo que o registro de 1514.
Receber um foral garantia um status diferenciado à vila, que passava a estar fora do domínio de um senhor feudal, para passar a possuir uma administração própria e estar submetida diretamente à Coroa.
A existência de um pelourinho era consequência da concessão de um foral, pois era o instrumento de execução da justiça, conforme os termos da época.
Quando estávamos caminhando pela vila, uma senhorinha se aproximou para conversar conosco e se dispôs a nos apresentar sua vila. Era a Dona Helena.
Falou dos espigueiros e dos locais para visitação dentro do parque com um orgulho especial pela sua terra e com a felicidade de receber visitas. Nos indicou um café atrás da igreja onde poderíamos comer o excelente pão de ló do Soajo.
Ao me despedir, apertamos nossas mãos e então segui em busca do pão de ló.
No caminho dona Helena voltou a me procurar, dessa vez com um ar de preocupação. Veio pedir desculpas por ter apertado minha mão quando, na verdade, sua família estava toda com uma gripe muito forte e não queria me contaminar pelo aperto de mão, e me recomendou que as lavasse bem. Só depois se despediu sossegada.
Era uma preocupação de uma comunidade pequena, onde uma doença, ainda que simples, pode afetar uma vila inteira. Me senti noutros tempos.
O pão de ló era realmente delicioso. Macio, umedecido na medida certa, um pouco esponjoso, com uma casquinha delicada por fora. Pelo que entendi, esse pão de ló de Soajo é mesmo uma iguaria famosa.
Continuando nossa caminhada pela vila, nos deparamos com um senhor caminhando acompanhado por uns quatro cães. Perguntei a ele se aqueles eram cães do Soajo, uma raça portuguesa.
Constava das obrigações da vila de Soajo para com o rei, a entrega de cinco cães ao ano para a manutenção dos privilégios da vila.
O cão de Soajo é um cão de “caça grossa”, o que quer dizer que era um cão para a caça de grandes animais.
Mas os cães que acompanhavam o senhorzinho não eram os tais cães famosos, que possuem até uma estátua na vila. Então ele deu meia volta e me disse para acompanhá-lo. Obedeci.
Caminhamos por umas ruelas da vila até que ele parou num grande portão de ferro e começou a bater, fazendo um barulhão. Na mesma hora uma cachorrada começou a latir e quatro cães apareceram sobre o muro, seguramente reclamando pelo sossego interrompido. Então o senhorzinho disse: são esses os cães de Soajo. Deu meia volta e voltou ao seu caminho, sem qualquer despedida formal.
O cão me fez lembrar um pouco nosso fila brasileiro. Não entendo muito de cães, mas vai ver, são parentes!
Continuamos nossa caminhada pela vila e vez por outra ouvíamos o som de água corrente. Pois bem, para mim esse é o som de Soajo, o do murmúrio de água correndo pelos pequenos canais que cortam algumas de suas ruelas.
No caminho encontramos um atelier de cerâmica com peças belíssimas feitas à mão na Serra do Soajo, a Oficina da Moura. Pertence a um jovem casal que escolheu sair de Lisboa e Porto para viver no Soajo.
No Soajo também comprei umas velas lindas. Tão lindas que ainda não tive coragem de usar, feitas de cera natural de abelha.
Parque do Gerês
Seguimos nosso caminho para conhecer mais do Parque do Gerês, mas essa vontade foi frustrada, pois não nos entendemos com o mapa que tínhamos e as informações do funcionário do parque também não foram de muita ajuda. O parque ficou para outra oportunidade. Uma pena.
Mas bem na frente da sede de umas das portas do parque, no Mézio, pudemos ver um monumento funerário megalítico muito impressionante. Existem outros na localidade, mas mal assinalados e acabamos por não encontrá-los.
Arcos de Valdevez
Como as informações do funcionário não foram precisas, nem eficientes, saímos do parque em direção a Arcos de Valdevez, uma cidade maior, à beira do Rio Vez. Acho que o nome deve vir de “arcos do vale do Vez”.
O rio é lindo, a água translúcida e os arcos, que formam uma ponte, belíssimos. Ao longo do rio há uma ecovia pela qual se pode passear quase que infinitamente.
Em Valdevez há um campo da feira onde desde os tempos medievais era realizada um feira para compra e troca de produtos. O povo de Soajo descia a serra até Valdevez para ali vender sua produção e comprar o que não tinham na vila.
Sistelo
De Valdevez partimos para nosso último destino do passeio, a aldeia de Sistelo. Muito lindinha e pequenina. Apenas algumas casas.
Na aldeia vimos apenas uma senhorinha vestida toda de preto, sozinha, arrumando as lenhas de sua casa e buscando água na fonte do pequeno largo no centro da aldeia.
Mas no caminho entre Valdevez e Sistelo paramos para conhecer uma ponte medieval, a ponte de Vilela, cuja construção remonta ao século XIII, pois já se encontram referências da ponte nas “inquirições gerais”, um procedimento administrativo da monarquia portuguesa em seus primórdios, para verificar in loco, se as terras do rei estavam indevidamente na posse da igreja ou da nobreza.
Confesso que o que me tocou de forma especial, além de Soajo, foi ver e caminhar sobre essa ponte. De novo minha imaginação começou a aflorar e imaginei o povo caminhando e transportando bens por essa ponte entre Vilela e Aboim das Choças. Teriam que pagar por isso? Uma ponte era uma construção estratégica, possibilitava a expansão de relações comerciais e pessoais num mundo rural.
Depois de Sistelo, rumamos de volta para casa, encantados com as paisagens que vimos.
Bela narrativa de um lindo passeio.
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